Medicamentos para doença celíaca: Conheça os estudos em andamento no mundo

Novos estudos sobre possíveis medicamentos para controle da doença celíaca têm levado esperança à comunidade mundial, como a medicação TAK-101, pesquisa com previsão de encerramento em 2024, e o ZED1227, que visa controlar o impacto da contaminação cruzada por glúten no organismo dos celíacos. As drogas seriam coadjuvantes para o único tratamento existente até então, que é a isenção total do glúten – uma proteína presente em alimentos como trigo, aveia, centeio e cevada -, nocivo a quem possui a doença.

Ainda em fase inicial, as pesquisas estão em desenvolvimento fora do Brasil. Contudo, é possível acompanhar a evolução por meio de publicações oficiais.

O portal Prato Livre entrevistou dois especialistas brasileiros que falaram sobre os avanços para o tratamento da doença celíaca que, como se sabe, é autoimune: a Dra. Danielle Kiatkoski, gastroenterologista e consultora técnica da Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (Fenacelbra), que atende em Curitiba; e o Dr. Fernando Valério, cirurgião do aparelho digestivo na capital paulista.

Sobre a evolução das pesquisas e se estas podem ser alternativas promissoras, de acordo com os especialistas, ainda é incipiente: mesmo diante dos avanços, o percurso tem sido um grande desafio.

Dra. Danielle ressaltou que, por ser multissistêmica, as consequências da doença celíaca são inúmeras, mas poderiam ser freadas por meio do tratamento medicamentoso coadjuvante à dieta. “25 pesquisas estão em andamento no momento. Sabemos que esses estudos são demorados, mas é um alento que finalmente tenhamos esse olhar da indústria farmacêutica para os celíacos”, explicou a entrevistada.

Levantamentos mostram um desejo da comunidade por esta opção de tratamento. Conforme ressalta o Dr. Valério, entre os benefícios do uso estão: melhorias na segurança alimentar, melhor qualidade de vida e de fatores emocionais, maiores índices de cicatrização intestinal e, por fim, o controle de sintomas.

“Mas, para que se desenvolva uma medicação, é preciso que exista o entendimento do mecanismo da doença, e este é um ponto que a ciência tem focado muito. Entendendo como a doença funciona nos seus principais aspectos, estudos clínicos sobre medicamentos se tornaram possíveis e factíveis. Seguindo este pensamento, atingimos pela primeira vez na história da doença celíaca uma medicação em fase final de estudo (fase três), que é a preliminar antes da comercialização: o Larazotide. Ele visa agir no controle da permeabilidade da mucosa intestinal”, elucida o médico.

Além de tentar impedir que a parte tóxica e imunogênica do glúten, a gliadina, atinja as áreas mais profundas da mucosa intestinal, como salientou o Dr. Valério, ele reduz a atividade inflamatória e consegue minimizar a sintomatologia como dor, diarreia e distensão. “Talvez seja a droga mais interessante para celíacos refratários, ou seja: aqueles que persistem sintomáticos, mesmo tomando todos os cuidados”, complementa a Dra. Danielle.

O Larazotide poderá diminuir as complicações e os sintomas gerados pela ingestão inadvertida de glúten: a temida contaminação cruzada.

Em junho de 2022 (um mês após a publicação desta reportagem) a 9 Meters Biopharma, empresa responsável pelo ensaio clínico do Larazotide, anunciou que o estudo foi descontinuado. 

TAK062: Uma pesquisa em fase inicial

 

Outra droga em estudo é o TAK062 que, segundo a gastroenterologista Danielle Kiatkoski, é uma medicação que age degradando os fragmentos imunorreativos do glúten ainda no estômago. “Dessa forma não desencadearia reação imune no duodeno. Esse estudo ainda é inicial e não existem muitos resultados; precisamos aguardar os avanços para uma melhor compreensão de sua ação”, diz.

E como uma representação destas conquistas, outros que seguem a mesma trilha e estão em fases avançadas de estudo clínico são o TAK-101 e o ZED1227.

TAK-101 e a possível “convivência amigável” com o glúten

 

Com relação ao TAK-101 e sua ação sobre o desencadeamento da reação imunológica dos celíacos, a Dra. Danielle e o Dr. Valério explicam que é um medicamento administrado via endovenosa. Uma porção mínima de glúten é infundida na circulação, fazendo com que o sistema imunológico se “acostume” com a presença do glúten.

Portanto, o objetivo desse medicamento é uma “reprogramação imunológica” “como um gerador de tolerância, que trata a causa. “Esse medicamento consegue ocultar o glúten. A gliadina é encapsulada como um ‘Cavalo de Troia’”, acentua a Dra. Danielle que, animada, ressalta: estima-se que o estudo esteja concluído até maio de 2024. Porém, é esperada a publicação da fase dois no primeiro semestre de 2022.

Os especialistas referem-se também a uma possível “convivência amigável” com o glúten, de modo que não se ativem respostas inflamatórias autoimunes.

Quanto à posologia, ainda não se sabe qual a periodicidade da aplicação, se a medicação agirá apenas para controlar os efeitos da contaminação cruzada, ou se trará mais liberdade para a ingestão de glúten.

Até o momento, de acordo com a Dr. Valério, o TAK-101 está na segunda fase dos estudos, e mostrou resposta inflamatória seis vezes menor, além da diminuição de lesões nas vilosidades intestinais após a ingestão de glúten (6 a 12 gramas de glúten, o que equivale de duas a cinco fatias de pão por dia).

ZED1227 e o impacto da contaminação cruzada por glúten no organismo dos celíacos

 

O ZED1227, por sua vez, visa impedir que pequenas partículas do glúten, os peptídeos, sejam modificados e ativem as chamadas ‘células T inflamatórias’, o que evita o dano mucoso. Este é um medicamento cujo objetivo é controlar os efeitos da contaminação cruzada, mas não para a ingestão livre de glúten.

“Em 2021, celebrou-se a aprovação deste medicamento na segunda fase de estudo clínico. Esta aprovação autorizou novas avaliações em um número maior de pacientes e assim a maior possibilidade de uso pelos celíacos no futuro”, frisou o Dr. Fernando Valério.

Mas como estes medicamentos serão comercializados ou fornecidos?

 

Todos os medicamentos para o tratamento da doença celíaca ainda estão em fase de estudo e, portanto, a licença de uso e comercialização das agências reguladoras ainda é uma realidade distante.

“Só saberemos o custo do medicamento quando os estudos forem concluídos, quando for aprovado pelas entidades sanitárias de cada país. No caso do Brasil, passará pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e pela aprovação de preço pelo governo a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cemed)”, explica a Dra. Danielle.

Precificar não é um processo tão simples. Após a indústria farmacêutica pedir o registro na Anvisa, que também poderá solicitar mais dados e pesquisas para a aprovação, e a Cemed verifica valores em sete países para balizar o preço no Brasil, outra medida necessária é a incorporação no Ministério da Saúde. É preciso, ainda, haver demanda.

O próximo passo é submeter à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e consulta pública. Depois disso é que, finalmente, se pode saber se o medicamento entrará no rol da ANS, se será incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e no mercado privado e,  inclusive, se será coberto pelas operadoras de saúde.

No caso do SUS e dos convênios, será necessário que a empresa demonstre a importância desse medicamento, apresente seus bons resultados e, por fim, comprove que, de fato, ocorre a melhora clínica e traz segurança aos pacientes. Assim, por meio de medidas administrativas e legais, pode-se pleitear que o medicamento seja fornecido pelo nosso Governo e via planos de saúde.

Celíacos brasileiros devem participar de bancos de dados

 

Os entrevistados não têm participação pessoal e direta nos estudos em curso, uma vez que estão sendo desenvolvidos no exterior.

De acordo com o Dr Fernando Valério, a melhor maneira de ajudar no momento é incentivar que os celíacos brasileiros participem de bancos de dados internacionais. “Esta participação mostrará a força da comunidade brasileira e a nossa organização, e chamará a atenção de que o Brasil é um ótimo mercado para o investimento de laboratórios multinacionais”, pontua.

O Brasil é um país que acompanha essa inovação em relação à pesquisa

 

Para o cirurgião do aparelho digestivo, o Brasil se mostra com vantagens e algumas desvantagens em relação às pesquisas sobre a doença celíaca.

“Por um lado, temos uma comunidade celíaca generosa, que gosta de contar a sua história, e que quer participar de pesquisas clínicas. Além disso, somos um país continental, com uma população grande de celíacos, e uma boa amostragem sempre é importante para estudos clínicos. Por outro lado, não temos incentivo para a pesquisa sobre a doença, e neste sentido”, reforça o especialista. O Dr. Valério não identifica interesse robusto das associações médicas sobre o tema, ou a preocupação acadêmica em formar médicos especializados no atendimento de celíacos.

Além disso, muitos médicos que labutam no atendimento e cuidado aos celíacos no Brasil, grupo em que o Dr. se inclui, nem sempre estão inseridos em ambientes universitários ou centros de estudos, o que dificulta a geração de pesquisas em maior número.

Esta reportagem é uma parceria entre o portal de notícias Prato Livre e o projeto de comunicação Não Contém Glúten (@naocontemglutendoc).

Reportagem atualizada em 30/08/2022, às 20h15.

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